INTRODUÇÃO AO TEMA
Com a promulgação do Código de Defesa do Consumidor (Lei 8078 de 11/09/1990), o legislador brasileiro procurou disciplinar as chamadas relações de consumo, visando maior proteção do destinatário final de produtos e serviços, conceituado como consumidor.
O Código, ao disciplinar essas relações de consumo, procurou proteger o consumidor, com relação a práticas utilizadas pelos fornecedores de produtos e serviços, estendendo essa tutela desde o período que antecede a formação da relação de consumo até o período após a formação dessa relação.
Um dos aspectos que mereceu um cuidadoso exame por parte do legislador foi o da cobrança de dívidas. Isto porque tal cobrança, por muitas vezes, vem a expor o consumidor devedor ao ridículo público, sem falar na violação de sua privacidade; tudo em nome do recebimento dessas dívidas.
A COBRANÇA DE DÍVIDAS E O CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR
Ninguém questiona o direito do fornecedor de bens ou serviços de cobrar o seu crédito, decorrente do efetivo e comprovado fornecimento desses bens ou serviços. Entretanto, esse direito inquestionável encontra restrição no caráter abusivo dessa cobrança.
Com base nessa premissa, o Código de Defesa do Consumidor, em seus Artigos 42 e 71, estabelece o seguinte:
“Artigo 42 – Na cobrança de débitos, o consumidor inadimplente não será exposto a ridículo, nem será submetido a qualquer tipo de constrangimento ou ameaça.
Parágrafo Único – O consumidor cobrado em quantia indevida, tem direito à repetição do indébito, por valor igual ao dobro do que pagou em excesso, acrescido de correção monetária e juros legais, salvo hipótese de engano justificável”.
“Artigo 71 – Utilizar, na cobrança de dívidas, de ameaça, coação, constrangimento físico ou moral, afirmações falsas, incorretas ou enganosas ou de qualquer outro procedimento que exponha o consumidor, injustificadamente, a ridículo, ou interfira com seu trabalho, descanso ou lazer. Pena – Detenção de três meses a um ano e multa”.
Tais dispositivos visam proteger o consumidor, principalmente, na fase extrajudicial da cobrança, uma vez que é nessa fase em que o consumidor geralmente fica exposto às práticas abusivas, que o colocam em situação de constrangimento.
Esclareça-se, inicialmente, que as tentativas e esforços para a cobrança de uma dívida devem ser direcionados diretamente ao consumidor e aos garantidores dessa dívida, se houver, sendo proibidas as práticas que afetem outras pessoas, terceiros alheios à dívida e à relação de consumo. Nesse terceiros estão incluídos também os familiares do devedor, que só podem ser abordados pelo credor para o fornecimento de eventuais informações sobre o paradeiro do devedor.
BREVE ANÁLISE DOS ARTIGOS 42 E 71 DO CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR
Os referidos artigos estabelecem como práticas abusivas e, portanto, proibidas na cobrança dos valores devidos pelo consumidor;
(i) a ameaça;
(ii) a coação;
(iii) o constrangimento físico ou moral;
(iv) o uso de afirmações falsas, incorretas ou enganosas;
(v) a exposição do consumidor ao ridículo;
(vi) a interferência no trabalho, descanso ou lazer do consumidor.
A doutrina estabelece uma divisão com relação a proibição de tais práticas abusivas, classificando estas últimas como práticas sobre as quais a proibição é absoluta, que é o caso das enumeradas nos itens (i) a (iv) acima; e práticas sobre as quais a proibição é relativa, sendo o caso das enumeradas nos itens (v) e (vi).
Proibição absoluta significa que tais práticas não podem ser empregadas na cobrança de dívidas do consumidor, sob qualquer hipótese, presumindo-se que o seu emprego sempre gera prejuízo para o consumidor.
Proibição relativa significa que tais práticas podem ser empregadas, excepcionalmente, observados determinados requisitos, cabendo ao cobrador da dívida a prova da obediência a tais requisitos.
Retornando às práticas de cobrança sobre as quais a proibição é absoluta encontramos:
Ameaça: o caráter de ameaça, na cobrança de dívida de consumidor, não está adstrito à gravidade do mal; nem precisa, como efeito, assustar o consumidor. Assim, por exemplo, a simples ameaça da escola de impedir um aluno de fazer suas provas, por força de inadimplência deste no pagamento das mensalidades, já infringe a proibição prevista em lei, sendo tal infração passível de punição, nos termos da legislação de consumo.
Coação e Constrangimento: constitui-se no emprego de violência, na cobrança da dívida, violência essa que anula a vontade do consumidor devedor ou vicia a manifestação dessa vontade; é o caso, por exemplo, do devedor que paga ou confessa sua dívida sob a mira de uma arma.
Afirmações falsas, incorretas e enganosas: são falsas aquelas afirmações que não tem, como base, dados reais; como exemplo: cobrar a dívida, afirmando-se que a cobrança encontra-se nas mãos de advogado, quando na verdade não está; são incorretas as afirmações que tem como base fatos verdadeiros e não verdadeiros; são enganosas as afirmações, que podem induzir o consumidor em erro; é o caso, por exemplo, de pessoa que assina correspondência de cobrança, simulando já tratar-se de um processo judicial.
Com relação às práticas de cobrança sobre as quais a proibição é relativa encontramos:
Exposição do consumidor a ridículo: o legislador procurou disciplinar e proteger o consumidor nos casos em que a cobrança o expõe a uma situação de humilhação ou vexame perante terceiros; um exemplo, até então muito comum, é a exposição do nome do consumidor inadimplente em lista de devedores.
Interferência no trabalho, descanso e lazer: o que se proíbe é a “interferência”, o que será avaliado em cada caso. Constitui exemplo dessa interferência a cobrança em horários inconvenientes, usando-se, por exemplo, de telefonemas no horário noturno para a cobrança de débitos.
Os Artigos 42 e 71 trazem também as penalidades para os infratores de seus mandamentos, que são de ordem civil, administrativa e penal, procurando ressarcir o consumidor afetado pelo abuso na cobrança dos danos que este vier a sofrer, em decorrência desse abuso.
CONCLUSÃO
Assim, o advento do Código de Defesa do Consumidor, sua aplicação diária e sua interpretação jurisprudencial vem aperfeiçoando a cada dia o sistema de proteção do consumidor contra as práticas abusivas dos fornecedores de bens e serviços, dentre elas, as formas vorazes e truculentas, ainda que muitas vezes sutis, de cobrança de dívidas, trazendo uma maior segurança às relações de consumo.
Walter Ricca Junior – Advogado Área Contratual/Societária